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March 24 2009 2 24 /03 /March /2009 11:01

Artigo publicado na edicao de 19/03/2009 do semanário Zambeze

Estrategicamente pensando

A água e o desenvolvimento sócio-económico de Moçambique

Por: Pedro Simone*

3.            Como atrair investimentos para a agricultura irrigada

Nas edições anteriores foram apresentados elementos que sugerem a necessidade de se criar uma aposta no sector agrícola para se concretizar os principais desafios que Moçambique enfrenta (combate à pobreza, criação da riqueza nacional e crescimento económico mais rápido, sustentável e mais equilibrado). No entanto, para que isso seja possível é preciso que o sector se mostre atractivo aos investimentos. Investimentos  necessários para a construção de barragens, sistemas de irrigação e mesmo para instrumentos de produção. Nesta sequência, esta edição vai identificar os elementos técnicos e estruturais que podem ajudar a mobilização de recursos financeiros para sistemas de irrigação em Moçambique.

Começemos por analisar alguns elementos que podem constituir um importante ponto de partida para a discussão. Primeiro, a maioria dos empresários nacionais e dos camponeses quer a título individual ou em associações, não dispõem de capacidade financeira própria para investirem em sistemas de retenção de água e sistemas de irrigação. Segundo, contrariamente a realidade doutras regiões do mundo em desenvolvimento onde a irrigação foi implementada com sucesso (América Latina e Asia), em Moçambique, a terra não pode ser privatizada por lei. Assim sendo, os empresários e camponeses locais não podem usar os seus títulos de uso da terra como garantia para obtenção de créditos nas instituições financeiras. Finalmente, as instituições de crédito nacionais não parecem ter liquidez suficiente para finaciar projectos de grande dimensão como é o caso de construção de barragens. Estes elementos fazem com que os únicos sistemas de irrigação existentes e com uma extensão considerável, sejam aqueles finaciados pelo capital privado externo, como é o caso das açucareiras de Maragra, Xinavane, Mafambisse e Marromeu.

É importante recordar que a massificação da irrigação e a sua conversão de regime se subsistência para comercial é um imperativo para os países da África Austral, incluindo Moçambique, sob riscos de agravamento da pobreza no futuro. O “Human development report 2007/2008”(1) reporta previsões de alterações profundas nos regimes de precipitações nesta área do globo, como resultado das mudanças clímáticas que o mundo está a enfrentar. O mesmo documento prevê que a produção agricola dependente das chuvas vai sofrer uma redução na ordem de 50% na sua productividade nos próximos anos. Estas alterações podem ter um impacto muito negativo na maioria da população moçambicana, residente nas zonas rurais e dependente totalmente deste sector para a sua sobrevivência, se algo não for feito.  

É dentro deste contexto que se deve encontrar mecanismos estruturais e técnicos que permitam que a irrigação possa atrair investimentos em Moçambique. É natural que a privatização da terra não parece uma solução viável. O exemplo do Zimbabwe é suficiente para explicar os prováveis impactos de longo prazo, além de não parecer favorável às camadas de baixos rendimentos. Por outro lado, a opção pelo investimento privado externo apresenta dois potenciais problemas. Primeiro, normalmente estes investimentos são direccionados à culturas de rendimento que garantam o retorno imediato do capital, negligenciando muitas vezes aquelas necessárias para o balanço nutritivo nacional. Assim sendo,  o país continua a gastar recursos para importar cereais e até mesmo vegetais para se alimentar. Segundo, estes casos podem ser enquadrados dentro do grupo dos megaprojectos. O benefício dos megaprojectos está apenas na criação de emprego, mas os lucros dos megaprojectos não são normalmente investidos para o benefício da economia nacional, são expatriados para os países de origem dos accionistas. Se os 281 milhões de dólares Americanos expatriados pelos megaprojectos em 2007 fossem investidos em actividades produtivas na economia nacional, no mínimo mais Moçambicanos teriam emprego hoje. É por esta razão que o relatório do Banco de Moçambique do terceiro trimestre de 2008 apresenta uma fatia infima da contribuição dos megaprojectos no Produto Interno Bruto (PIB), apenas 2.78%.  Estes factos mostram por sí que o país precisa de encontrar mecanismos alternativos para potenciar os produtores nacionais.

Para começar, o estado deve assumir um papel preponderante no investimento de capital na irrigação para o relançamento da produção agrícola nacional. Se tomarmos em conta que as receitas nacionais não são suficientes para cobrir o próprio orçamento do estado, fica claro que na realidade o papel do estado neste processo é de mobilizar recursos finaceiros junto de instituições de crédito internacionais tais como o Banco Africano de Desenvolvimento, o Banco Mundial, o Banco Central Europeu, o Banco Asiático de Desenvolvimento, e outros. Como os bancos só financiam projectos quando existem garantias e mecanismos fiáveis de amortização dos investimentos, a criação destes mecanismos deve fazer parte da estratégia.

Um dos modelos eficaz e credível junto às instituições financeiras internacionais, é a criação de uma unidade pública administrativa e financeiramente autónoma para o efeito. Esta unidade que normalmente é um fundo, é responsável pela realização dos investimentos necessários, bem como a amortização dos dos mesmos junto aos credores. Ao governo caberá duas tarefas principais: (1) oferecer garantias aos credores. Esta é uma função natural do estado para viabilizar o crédito externo; (2) o estabelecimento de contratos programa com o fundo. Os contratos programa podem ser definidos de acordo com os objectivos que o país se propôr em períodos específicos de tempo e deverão conter metas específicas para poder ser monitoráveis. Por exemplo, alcance de um volume específico de produção de um tipo de cereal num certo horizonte temporal, cobertura das necessidades alimentares numa certa percentagem num período específico de tempo, percentagens de conversão da agricultura de subsistência para irrigada comercial num período, entre outros. Experiências da aplicação deste modelo já existem em Moçambique atravéz do Fundo de Investimento do Património de Água (FIPAG) que apesar de ter uma área de actuação limitada, tem sido com algum sucesso um atractivo para trazer investimentos para o abastecimento de água urbano em Moçambique.

As vantagens da criação deste mecanismo de investimentos são várias, veje-se alguma delas. (1) É relativamente fácil mobilizar investimentos a partir de uma unidade específica autonóma que possa ser monitorada e auditada separamente para avaliar o seu desempenho. Esta estratégia pode ser uma solução para contornar os constrangimentos que os actuais orçamentos do sector agrígola apresentam por serem muito baixos (apenas 4% do valor global em 2007 e 6% do valor global, em 2008); (2) o estado não fica alheio ao desenvolvimento do sector, particularmente quando envolve recursos hídricos que necessitam de serem monitorados para que haja equiíbrio na sua alocação aos cidadãos; (3) o fundo tem responsabilidades claras de amortizar os investimentos efectuados junto aos credores através de taxas específicas cobradas aos produtores utilizadores dos sistemas de irrigação.

Porém, isto não significa que o estado deve desenvolver a agricultura. A agricultura deve ser desenvolvida pelo sector privado quer a título empresarial, individual ou por associações de camponeses. A organização dos camponeses em associações de produtores é particularmente importante neste caso porque permite que as famílias de baixos recursos possam de uma forma rentavél, aceder aos sistemas de irrigação. O seu envolvimento é importante porque estudos mostram que envolvendo as camadas de baixos recursos nos projectos de irrigação, cada ponto percentual (1%) de crescimento económico positivo corresponde a um ponto percentual (1%) de redução do número de pessoas vivendo em situação de pobreza absoluta(2). Para tal, muito trabalho tem que ser feito neste aspecto, com responsabilidades repartidas entre o estado e as instituições de ensino e foramação professional. Naturalmente, existe também o potencial de muitas famílias beneficiarem-se do processo atravéz da oferta de mão obra.

Do ponto de vsita técnico é também importante desenvolver projectos viáveis. A região Sub-Sahariana tem sido suplantada pelas suas concorrentes nomeadamente Suldueste Asiatico e America Latina nas últimas décadas sob pretexto de que os investimentos unitários na irrigação são relativamente altos. É esta tendência que tem que ser revertida em Moçambique atravéz de projectos concretos. Um estudo do International Water Management Institute(3), baseado em levantamentos comparativos de projectos de irrigação na África sub-Sahariana, América Latina e na Asia apresenta algumas recomendações que podem ser úteis para viabilizar projectos de irrigação em Moçambique.

(1)   Grandes projectos de retenção de água e de canais primários de irrigação, financiados e geridos por entidades públicas (em linha com as discussões anteriores) combinados com sistemas de irrigação de pequena e média escala. Este arranjo está em consonância com o que se pretende em Moçmabique, integração de pequenos produtores na irrigação.

(2)   Projectos multisectoriais para viabilizar os investimentos, através da repartição de custos. Por exemplo, a incorporação de uma forte componente agrícola à jusante, no projecto de construção da nova hidroeléctrica em Mpanda Kuwa.

(3)   O envolvimento dos produtores ou futuros produtores em todas as fases do projecto, maximizando as suas contribuições e atribuindo-lhes papeis relevantes na gestão dos sistemas. São eles que vão operar manter e gerir as infra-estruturas.

Um estudo feito na India, o Binsiwanger et al. (1993)(4) explica que o sucesso da agricultura é definido por uma interação complexa entre vários agentes sendo os principais, o Estado, o público e o mercado. O Estado que é representado pelo governo que tende a alocar recursos em locais onde existe potencial agrícola; O público representado pelos produtores ágricolas que reage positivamente aos investimentos nas infra-estruturas; e o mercado representado pelas instituições financeiras, que tende a estabelecer delegações e linhas de créditos em locais onde há produção. Acredita-se que Moçambique tem condições para estabelecer esta interação positiva com a irrigação como o “Pivot” principal. Acredita-se que existe potencial agrícola e recursos hídricos suficientes para o governo dar um pontapé de saída e ter uma resposta positiva por parte dos produtores e bancos nacionais.  

Concluindo, Moçambique tem condições naturais favoraveis para se posicionar no grupo dos grandes produtores agrícolas no mundo. O país precisa apenas colocar a irrigação na prioridade da agenda nacional e trabalhar no sentido de criação de mecanismos para atrair investimentos para o sector. Investimentos para a construção de infra-estruturas necessárias neste sector para colocar a maioria da população Moçambicana no mercado de produção e consequentemente, combater a pobreza e promover o desenvolvimento do país. Por sinal, a próxima edição vai mesmo dedicar-se ao papel das infra-estruturas e do capital humano.

 

 

REFERENCIAS

1.                  UNDP 2007, Human development report 2007/2008, UNDP, New York, USA

2.                  Thirtle, C, Xavier, I & others 2001, Relationship between changes in agricultural productivity and the incident of poverty in developing countries, DFID, London.

3.                  Inocencio, A, Kikuchi, M, Tonosaki, M, Maruyama, A, Merrey, D, Sally, H & Jong, L 2007, Costs and performance of irrigation projects: a comparison of Sub-Saharan Africa and other developing regions, International water management institute, IWMI research report n0 109, Colombo, Sri-Lanka.

4.                  Binswanger, H, Khandkar, SR & Rosenzweig, M 1993, “How infrastructure and financial institutions affect agricultural output and investment in India”, Journal of development economics, Vol. n041, pp. 337-366.

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